Saturday, July 31, 2010
olhos de ressaca
Saturday, March 13, 2010
Ele
Ele não aguentava mais. Tinha resistido por muito tempo, tentou de muitas formas e nada. Agora sentia-se cansado, impotente e um tanto quanto culpado diante da antiga constatação: a maioria dos seres humanos lhe eram incompreensíveis. Por vezes não lhes entendia a fala, o raciocínio, o jeito que levavam a vida. Para ele, eles eram completos estranhos. Quando deparava-se com questões comuns e percebia que seus sentimentos e forma de encarar as coisas eram completamente distintas dos demais, sentia-se só. Devaneava a respeito de ter vindo de outro lugar, de pertencer a outra raça. Essa percepção lhe ocorrera havia muito, mas ele não queria acreditar. Durante a maior parte de sua vida tentou reverter essa sensação. Observou atentamente como eles agiam, e passou a imitá-los. Não era difícil. Aprendeu tudo, e sorria na hora em que devia sorrir, dizia as coisas que deviam ser ditas, procurou comportar-se exatamente como eles para não chamar tanta atenção. Sabia a hora do comentário correto, sabia quando dizer “graças a deus”, mesmo não tendo certeza que deus era aquele. As normas de convivência que lhe foram passadas eram muito antigas e pertenciam àquele povo desde o começo dos tempos, e todos as seguiam sem titubear. Era assim, e pronto. Certa vez, cometeu o disparate de fazer perguntas. Diante da hostilidade e da surpresa alheia, ele se calou. Teve medo. Medo de ficar sozinho, de ser banido, de estar errado, de ser julgado e condenado culpado por viver diferente. Sufocou a própria perplexidade e viveu assim durante um bom tempo. No fundo, sentia pena. Olhava para aquelas pessoas e os via tão pequenos, mergulhados em questões superficiais, tão mais preocupados com a aparência e a vida do próximo do que delas próprias. Achava que perdiam tempo. Sofria por vê-los tão ignorantes, sem curiosidade, sem vontade de aceitar ou buscar o novo, apáticos, admitindo cegamente tudo que lhes era imposto. Não entendia porquê julgavam-se uns aos outros tão ferozmente, sempre prontos a apontar o dedo ao mínimo indício de falha alheia e pior: na grande maioria das vezes falavam sem saber, simplesmente presumiam com base na parca bagagem que tinham. O mais estarrecedor de tudo é que pareciam idiotamente felizes. Tinham ambições comuns e eram formatados para isso: nascer, crescer, casar e procriar, buscar estabilidade financeira. Um belo carro, uma bela casa, um belo corpo. Os que alcançavam esses feitos eram considerados vencedores. E depois morriam, e outro deles nascia, e o ciclo continuava interminavelmente. Entre esses, alguns por vezes se mostraram mais evoluídos: apesar de toda a formatação que haviam sofrido foram mais a fundo, questionaram, e compreenderam a mediocridade humana. Esses escapavam. E ele realmente acreditou que tivesse encontrado um jeito de viver entre eles. Até agora. De repente ele se pegou andando pela casa, aflito, murcho. Sentia-se como uma bomba relógio prestes a explodir. Já estava impossível continuar fingindo, e aceitar aqueles pequenos humanos se tornou uma tarefa mais extenuante do que o normal. Era o limite. Mergulhou num enorme conflito: que direção seguir? Sim, estava tudo calmo porém muito sem-graça, ele sentia-se sendo minado aos poucos e achava que a qualquer momento iria simplesmente se apagar. E ele sabia que era fogueira demais pra se deixar virar fagulha. Decidiu abdicar da calma. Passou a buscar os seus iguais, e lentamente ao longo da estrada os foi encontrando, um a um. Nesse momento não eram muitos, mas eram os dele. Aqueles ali a entendiam e partilhavam das mesmas convicções, viviam de forma parecida. Depois descobriu que nunca seriam tantos, não era pra ser assim. Existia a maioria, e existiam eles. Enfim, um pouco de paz. Continuou convivendo com aqueles humanos tão estranhos, mas reservou para si e para os seus as suas partes mais vivas porque necessitava ser compreendida. Fechou-se para a pequenez dos demais e assim conseguiu, de vez em quando, ser feliz. |
Saturday, October 24, 2009
8 ou 80
Monday, September 21, 2009
Amor em tempos de ceticismo
Pirando num livro de um cara chamado Alain de Botton. Se alguém o fosse descrever, talvez dissesse “é um livro que fala de amor”; e essa seria uma definição que muito provavelmente me afastaria desse livro. Porque eu sinto que falar bem de amor é algo quase impossível nos dias de hoje. Porque as últimas coisas que eu li sobre esse tema não me trouxeram nada de novo e eu achei sacal aquele amontoado de lugares-comuns superficiais, e fez com que lá no meu íntimo eu considerasse esse papo bem chato e irrelevante. É um assunto óbvio. E conseguir olhar diferente pra algo óbvio é bem difícil. Mas eis que me deparo com esse livro, que é a história de um triângulo amoroso só que contado sob um ponto de vista bem filosófico. E é aí que a coisa fica mais intensa. Ele se dedica a decifrar a personalidade dos personagens numa viagem psicológica através dos pequenos atos e pensamentos e aspirações românticas de cada um, utilizando citações e referências de vários pensadores. Tô no comecinho, mas já fui fisgado. Este livro me caiu nas mãos por meio de um trecho que li uma vez (como comentei no post passado). Eu tenho a mania de grifar frases e sentenças que chamam a atenção. Contei uma vez pra um professorque sempre me senti meio culpado por isso, por sublinhar e fazer anotações nos rodapés de todos os livros que realmente me identifico. Achava que podia os estar estragando, ou pior: condicionando o próximo leitor a prestar atenção em coisas que eram importantes só para mim. E, ao contar isso, me dei conta de uma coisa: grifar nos revela. Ele concorda, mas não acha perigoso. Acha que grifar nos revela de algumas maneiras que abrem outras perguntas. Eu vou ler este livro sem pressa. Parando de vez em quando e fechando a página pra ficar olhando pro nada.
Em tempo: o livro se chama “O Movimento Romântico”.
Sunday, September 20, 2009
Tuesday, September 08, 2009
Trapézio!
Monday, August 31, 2009
Todos estão mudos!
Os gritos são suprimidos, o corvo diz: "nunca mais"
Não parece haver mais motivos ou coragem pra botar a cara pra bater
Um silêncio assim pesado nos esmaga cada vez mais
Não espere, levante, sempre vale a pena bradar
É hora, alguém tem que falar!
Há quem diga que isso é velho, tanta gente sem fé num novo ar
Mas existe o bom combate, é não desistir sem tentar...